sexta-feira, 23 de novembro de 2007

DONA TERESINHA



Pousada Mangaba. Galinhas no quintal, chuveiro frio. 
 "O sol esquenta a água da caixa, meu filho", dizia a dona Teresinha aos hóspedes. 
Café da manhã no N.S.Aparecida ou no Fé em Deus.
Pouco conforto, muita felicidade. 
Arraial d'Ajuda dos anos 80. 


Final da tarde de sexta-feira. Dona Teresinha anda com seus passinhos rápidos com uma sacola na mão. Vai passar o fim de semana - mais um - na casa de uma filha, num dos bairros novos, habitados pelos nativos desalojados pelos paulistas, cariocas, gaúchos, mineiros e estrangeiros que compraram a maioria dos imóveis da área central do Arraial da Ajuda.
Assim como quase todos os outros moradores antigos, ela pôs à venda a sua casa e a pousada simples e confortável, com um enorme pátio gramado, ensombreado por mangueiras e cajueiros, localizada no Caminho do Mar, passagem de quem se dirige às praias. Vai viver a quilômetros dali junto de seus filhos, netos, parentes e amigos. Não aguenta mais a barulheira do vizinho Beco das Cores, onde a moçada se diverte em bares e restaurantes com música ao vivo ou eletrônica até o amanhecer. 

O Arraial ficou muito barulhento e sofisticado para ela.
Ano após ano, o paraíso descoberto nos anos 70 e 80 por jovens de cabeça feita, em busca de um lugar lindo e tranquilo para viver, se descaracteriza. A mata vai sendo substituída por construções, e as casas e pousadas avançam até limites inimagináveis para quem conheceu aquele lugar maravilhoso há duas ou três décadas. Empreendedores brasileiros e estrangeiros derrubam até os coqueirais que embelezam a faixa entre a falésia e o mar para construir condomínios fechados, residências de luxo e pousadas. Telhados substituem as copas das árvores. Os muros isolam a praia e tornam propriedade particular o que antes era de todos, sem qualquer controle. 

Enquanto as fontes de água potável se exaurem, aumenta a ameaça da contaminação do lençol freático. Nada detém os especuladores com seus dólares, euros e reais. Nos cafés, nos bares, nas ruas, em vez dos papos de viagens, de descobertas, de encontros e desencontros, cochichos sobre os melhores investimentos, os bons negócios.
O som do berimbau é cada vez mais raro. Os outrora orgulhosos nativos que enfeitavam as noites com os malabarismos da capoeira, agora ficam olhando, de longe, os turistas que lotam os bares e restaurantes, e o movimento dos carros que congestionam as ruelas. Na Bróduei, onde antes se concentrava a vida noturna do lugarejo, só o bar Geraes resiste. A Lagoa Azul é apenas o nome da barraca à beira-mar, construída antes da drenagem do riacho que caía em forma de cascata. Na praia da Pitinga, uma baía de rara beleza, cada vez mais casas construídas no alto da falésia podem ser vistas da beira do mar.
Mas apesar dos malucos beleza fazerem parte do passado e o som do martelo seja mais ouvido que o da lambada, o Arraial da Ajuda é um dos mais fascinantes lugares do litoral brasileiro. 

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