sábado, 22 de março de 2008

EL TEMPLO DE LA PERDICIÓN

Trabalhávamos muito na sucursal de verão de Zero Hora, instalada no hotel Beira Mar, em Tramandaí, nos anos 80. Certamente tanto como agora. Pelo menos doze horas por dia, isto quando não éramos acordados de madrugada para cobrir algum rolo policial. Mas também nos divertíamos bastante. Depois de enviar a última matéria, íamos jantar juntos e depois dar uma circulada pela cidade.
Naquela época os argentinos vinham a Tramandaí em ônibus de turismo e se hospedavam no nosso hotel, geralmente por uma semana. À noite ficávamos batendo papo, e naturalmente nos tornávamos amigos deles. Cada despedida era uma festa, e às vezes lágrimas rolavam nos rostos de hermanas enfeitiçadas por algum repórter da sucursal.
O contrário também acontecia. Um dos nossos ficou enlouquecido por uma argentina, muito bonita na flor dos seus trinta e poucos anos. Ela parecia corresponder, mas havia um problema: o marido estava junto, e não desgrudava dela. Solidários, tentamos vários estratagemas para separá-los, pelo menos algumas horas, para que os dois pudessem, digamos, se entender. Tudo em vão. Decidimos jogar pesado: embebedar o maridão, para que ele, entregue a morfeu, deixasse a esposa e nosso apaixonado colega à vontade.
Bate-bate era um boteco de madeira escondido entre as dunas, cerca de um quilômetro depois da plataforma de pesca. Lá só se serviam batidas, todas de altíssimo teor alcoólico. O bar estava na moda - a moçada enfrentava a areia da beira da praia para passar algumas horas lá, bebendo e ouvindo música. Casais se perdiam nas dunas, motoristas tinham dificuldade em achar a trilha depois de provar os coquetéis de cachaça.
Alguns dias antes, no carnaval, a turma do Bate-Bate havia desfilado na avenida Emancipação, um garçom vestido de padre à frente. Conferimos se a batina ainda estava lá, e combinamos que no dia seguinte voltaríamos com um grupo de turistas argentinos, com a condição de que fossem recebidos pelo falso padre. O Bate-Bate mudou de nome: passou a ser El Templo de La Perdición.Convidados, os argentinos adoraram a idéia. Estavam loucos para conhecer o templo. Lotamos três carros (o meu e dois do jornal - a Núbia Silveira que me perdoe) e nos mandamos. O padre esperava na frente do barracão, e junto com a bênção entregava a cada um de nós um copo daquelas batidas. Discretamente, todos olhávamos o copo do maridão, mas ele era o que menos bebia. Lá pelas tantas, decidimos voltar. Jantamos no Carlão, um restaurante à beira do rio, no Imbé, e depois viemos até a minha casa. Bebemos, cantamos, conversamos, e o maridão, sóbrio. O dia amanhecia quando o grupo, exausto e conformado com mais uma derrota, retornou ao hotel. A esposa continuou intocada até seu retorno à Argentina. Sim, ela chorou na despedida.



Na foto de Sílvio Ávila, tirada na minha casa em Imbé, alguns personagens desta história. Sentados, da esquerda para a direita, os jornalistas Flávio Dutra, Roger Bitencourt e Luís Artur Ferrareto. De pé, o motorista Ari, eu e o fotógrafo Antônio Pacheco. Os demais são nuestros amigos argentinos, entre eles la señora y su marido.



INTERPRETANDO DESEJOS

Oito da manhã da quarta-feira de cinzas de 1987. Ao chegar para trabalhar no hotel Beira Mar de Tramandaí, onde estava instalada a redação de Zero Hora para a cobertura do veraneio no Litoral Norte (eu dormia na minha casa, em Imbé), vi um grupo de rapazes com roupas orientais - aqueles trajes soltos que iam até os pés, turbantes na cabeça.
Achei que eram foliões saindo de algum baile à fantasia, e subi até o primeiro andar para organizar a pauta do dia.
Alguns minutos depois, o recepcionista ligou para pedir ajuda: não entendia o que uns caras com roupas estranhas falavam. Desci e lá estavam os supostos foliões. Em inglês britânico, explicaram que eram indianos, marinheiros de um petroleiro que chegara no dia anterior. Estavam de folga, e tinham o dia para ficar em terra firme. Queriam comprar lembranças para as esposas, e perguntaram se eu podia acompanhá-los por meia hora.
Topei, e saímos pela cidade. Eles queriam comprar tecidos e trocar dólares. Banquei o intérprete e voltei para a redação. Mais tarde o recepcionista ligou novamente. Os indianos queriam falar comigo. Meio constrangidos, explicaram que estavam há três meses no mar, e gostariam de ... tirar o atraso.
Passei o problema ao funcionário, e ele ligou para a dona de um "drink bar", conhecida dele. Explicou a situação - marinheiros estrangeiros, com grana, que não falavam português, querendo apenas os prazeres do sexo.
Acertou os detalhes com ela ( quantos eram, quanto custava), chamou um taxi e deu as instruções para que fossem e voltassem seu contratempos.
Já passava das duas da tarde quando eles vieram me agradecer, risonhos como crianças que ganharam um brinquedo.
E voltar para o navio, e para suas esposas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Clovis,
grande história. Melhor aínda porque não revelaste quem era o jornalista que se apaixonou pela argentina. Se conheço bem os bandidos, sei muito bem de quem se trata...
Mas faço que nem tu: nem comento.
Forte abraço.

Clovis Heberle disse...

A única coisa que vou revelar é que... não fui eu.