terça-feira, 22 de abril de 2008

SANGUE E LÁGRIMAS*

Cultivada nos vales quentes da Índia, a cana de açúcar era consumida em forma de suco. Historiadores gregos e romanos se referem também a “mel sem abelhas” (melado) e “sal indiano” (suco solidificado), trazidos por exploradores em pequenas quantidades e usado para fins medicinais. Foi Dioscorides, escritor romano da época de Nero, quem deu ao produto seu nome latino: saccharum.
Invasores persas levaram mudas de cana para seu país, e cientistas da Universidade de Djondisapour desenvolveram o processo de solidificação e refino do suco para que, de forma sólida, pudesse ser transportado sem fermentar.

Quando o Império Persa sucumbiu diante do exército Islâmico, uma das mais preciosas presas de guerra foi o segredo de transformar suco de cana em saccharum. Os árabes adotaram o açúcar na sua dieta, e levaram mudas de cana para plantar nos países conquistados – a Espanha entre eles.
O hábito de comer açúcar foi introduzido na Europa pelos cruzados. Eles voltavam da Terra Santa encantados com aqueles torrões doces que eliminava a fadiga e os deixavam cheios de energia. Os árabes acabaram sendo expulsos da Espanha, deixando para trás seus canaviais e a doce novidade.
Descoberta a América, enormes áreas de terras do Brasil, da América Central, do Caribe e outros territórios tropicais ocupados por portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e holandeses foram usadas para o plantio de cana, com a devastação da mata nativa. Com a bênção papal – uma Bula de 1455 autorizava os católicos a “atacar, subjugar e reduzir à escravidão os sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo” - , africanos foram escravizados para trabalhar nos canaviais. Os índios foram praticamente exterminados, por não se adaptarem a um trabalho tão pesado. A mão-de-obra para o cultivo de cana foi responsável por dois terços dos 20 milhões de africanos escravizados entre os séculos 16 e 19.
Traficar negros, plantar cana, refinar açúcar e comercializar o produto na Europa e na América do Norte se tornou um negócio bilionário. Governos e empreendedores privados se lançaram numa corrida alucinada para satisfazer a voracidade cada vez maior dos europeus. Com o aumento da produção, caíram os preços, e comer alimentos açucarados – antes um vício caríssimo, restrito à nobreza - se tornou hábito entre todas as classes sociais das cidades européias. Aumentaram também, na mesma proporção, as mortes por doenças antes raras ou até desconhecidas, como a diabete.


Em 1880, os dinamarqueses consumiam 14,5 quilos de açúcar refinado por ano. A média de mortes por diabetes era de 1,8 por 100 mil.
Em 1911, o consumo subiu para 41 quilos por pessoa. A média de mortes subiu para 8 por 100 mil.
Em 1934 o consumo era de 57 quilos por ano. A média de mortes foi de 18,9 por 100 mil.

Os dados são do ministério da Saúde da Dinamarca.

* Texto condensado do primeiro capítulo do livro, intitulado Mercado Branco



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