sábado, 7 de junho de 2008

MESTRE ELIAS



Antonio José Elias não tem diploma de graduação nem de pós-graduação, mas é mestre no seu ofício de sapateiro. Exerce a profissão desde os 15 anos de idade, já morou na Bahia e no Rio de Janeiro, e há 24 anos está estabelecido no bairro Petrópolis, em Porto Alegre.
Autodidata, gosta muito do que faz e está sempre atento a novas técnicas, cores e materiais. É um perfeccionista, obcecado pela qualidade. Ele não só conserta calçados como transforma recém comprados para adaptá-los às necessidades dos clientes – um salto muito alto, uma forma apertada.
Sorriso franco, gargalhada fácil (especialmente quando o Inter vence), Elias só reclama do excesso de trabalho, que às vezes causa atrasos no prazo de entrega dos calçados. Colocar auxiliares para o serviço andar mais rápido? Nem pensar. Ele prefere ouvir uma reclamação pelo atraso do que por um conserto mal feito.
Elias está sempre de rádio ligado e começa o dia de trabalho lendo jornal. Tem idéias claras sobre o que acontece na cidade, no país, no mundo e gosta de conversar sobre qualquer assunto. Está vibrando com a candidatura de Barak Obama:
- Já pensou, um presidente negro no país que mais discrimina os outros países?
Apesar de defender a expansão das escolas profissionalizantes como forma de aumentar as chances de trabalho para quem não pode chegar às universidades, acha válido o sistema de cotas. “Eu reconheço que é discriminatório, mas tudo que se fizer para melhorar a condição dos negros deve ser apoiado”. Para ele, há preconceito racial no Brasil, sim. “Várias vezes já entraram pessoas aqui pedindo para falar com o patrão. Eu respondo que o patrão saiu e eu estou no lugar dele”.
Com seu trabalho, mestre Elias conseguiu comprar uma casa e uma chácara em Cachoeirinha. Tem computador, mas se sente mais à vontade com os seus instrumentos de sapateiro. "Pra ver o teu blog vou pedir ajuda ao meu filho," diz, com um riso tímido.


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Este post foi publicado há dez anos, no dia 7/6/2008. 
Elias faleceu no dia 23/6/2018, aos 65 anos. Deixou esposa e um filho



Um comentário:

Clovis Heberle disse...

Sou cliente do Elias há 24 anos, desde que ele se estabeleceu no bairro onde moro. Este post é uma homenagem a ele e a todos os profissionais - sapateiros, pedreiros, manicures, encanadores, eletricistas - que, mesmo enfrentando as maiores dificuldades, encaram seu trabalho com dedicação e profissionalismo.